sábado, 24 de março de 2012

Contos de Paz Dornelles


Entre poetas e políticos

Era seis da tarde de uma sexta-feira qualquer. Tomava meu chimarrão e ouvia a programação da noite de Porto Alegre em um programa de rádio. Ouvi um estrondo na rua, como se fosse um trovão. Mas era um dia de sol e céu azul. Era apenas o gerador da rua que havia estourado. O ventilador, o rádio e o computador desligaram automaticamente. Então falei para mim mesmo lembrando Drummond. ‘E agora José; A luz apagou. A festa acabou’. Deitei no sofá e adormeci.

Minutos depois acordei. A luz ainda não havia voltado. Espreguicei-me. Olhei para o lado. E tive uma surpresa. Meu corpo ainda estava dormindo sobre o sofá. Perguntei-me se aquilo era um sonho. E parafraseando Quintana, refleti: ‘Tudo passa. Eu passarinho’. Neste exato momento um passarinho entrou pela janela e pousou sobre mesa onde começou a saborear algumas migalhas de pão que ali estavam.

‘Toc, toc, toc’. Alguém bateu a porta. Para minha surpresa chegavam para me fazer uma visita nada menos que Mário Quintana e Carlos Drumond de Andrade. Quintana logo perguntou: ‘Ainda tem chimarrão?’ Falei que sim, ainda surpreso;  E sem saber o que estava acontecendo, fui lentamente fechar a porta. Drummond disse: “Espere o Érico’. Perguntei: ‘Érico?’. ‘Sim, Veríssimo’. Disse Quintana.

Bom, a sociedade dos poetas mortos estava completa. Acomodei o pessoal pela sala e começamos a conversar. Um deles me disse: ‘Fiquei sabendo que és poeta’. Seguido dos outros que comentaram: ‘Estamos acompanhando seu trabalho’.’Me fale um pouco de você’.

‘Moro em Porto Alegre desde a virada do milênio. Sou natural da fronteira. São Borja. Terra de Jango e Getúlio. E também onde enterraram o Brizola.’ Neste exato momento ouvi um barulho no quarto. Falei aos poetas: ‘Esperem um momento, vou ali ver o que é...’. Quando entrei no dormitório estavam ali Brizola, Goulart e meu falecido pai. Brizola me disse: ‘O Vargas não pode vir, estava com dor de cabeça. Mas mandou um abraço.’. Meu pai falou: ‘tudo bem com você... Só estou acompanhando o pessoal’ Convidei-os então a uma rodada de chimarrão: ‘Vamos até a sala tomar um mate’.

Conversamos por aproximadamente uns vinte minutos sobre vários assuntos, que segundo eles eu deveria abordar em meus textos. Ao se despedirem, Drumond disse: ‘Visita de poeta e político é jogo rápido’. Meu pai acompanhou Brizola e Goulart até o Palácio Piratini. Enquanto Quintana seguiu com Drummond e Érico até o centro para dar um passeio na Rua dos Andradas.

Fechei a porta. E deitei novamente na mesma posição onde meu corpo repousava. Minutos depois o rádio começou a tocar, o ventilador a girar e o PC fazia uma varredura de disco em virtude do desligamento forçado. Neste momento acordei pela segunda vez. Mas desta vez com corpo e tudo. E sussurrei para mi mesmo: ‘Que sonho louco’. ‘O que iriam querer aqui poetas imortais políticos famosos?’.

Então, peguei meu chimarrão, abri um novo documento no Word e comecei a escrever um texto sobre viagem astral. No fim do texto me perguntei: ‘O que diria Kardek sobre este conto...‘. Será que Freud explica?’. Neste momento ouvi duas batidas na porta. ‘Toc, toc’. Fui abrir surpresamente: ‘Quem será?’. Desta vez era apenas o zelador que vinha me avisar: ‘A luz voltou’.


J.P.D.

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